
Mônica Ventura
Lírio do brejo, 2024
Dimensões e
técnicas variadas
Com um olhar voltado à Mata Atlântica, às florestas nativas e ecossistemas associados, Mônica Ventura voltou-se a investigar o chamado lírio-do-brejo (Hedychium coronarium), espécie vegetal endógena da Ásia Tropical, trazida ao Brasil pela colonialidade e que rapidamente tornou-se “espontânea” por sua adaptação climática. Trata--se de uma planta situada predominantemente em áreas próximas a corpos d’água que, por sua rápida proliferação, passou a ser muito usado para mitigar deslizamentos de encostas. Na pesquisa da artista, Mônica enfatizou as propriedades do lírio no preparo de alimentos. Do caule extraiu a fibra, da raiz fez uma conserva, bem como um suco, um doce e uma farinha torrada. Em meio a esses exercícios, buscou observar os usos locais de uma vegetação exótica, abrindo um debate sobre usos, potencialidades e atributos polissensoriais de uma só planta, como um todo.




Mônica Ventura
Texto de Paula Borghi
Pesquisadora, curadora e historiadora da arte.
Doutoranda em História Teoria e Crítica de Arte pela UFRJ
Definir a colonização apenas enquanto um processo onde determinados grupos invadem e ocupam novos territórios é limitador, uma vez que ela não se restringe a terra enquanto um território em si, mas abarca a terra e a todos os seus compartilhantes. Esta é a compreensão que Nêgo Bispo comunica em seu livro “A terra dá, a terra quer”, enfatizando que para tirar o veneno do colonialismo é preciso transformá-lo em antídoto contra ele próprio. Segundo este filósofo e líder quilombola, o antídoto pode ser nomeado de contracolonialismo, que resumidamente propõe um modo de vida diferente do colonialismo. Neste, a confluência é um de seus principais sintomas, uma energia que move a humanidade para o compartilhamento, reconhecimento e respeito. A partir de então, é possível melhor compreender a proposta artística elaborada por Mônica Ventura ao longo da residência Casco Pós-Balsa, que contribui com o contracolonialismo ao utilizar a arte em confluência com os compartilhantes da terra.
Com um olhar voltado para Mata Atlântica, que contempla florestas nativas e ecossistemas associados, o que se tem aqui é a investigação do lírio-do-brejo (Hedychium coronarium), uma espécie vegetal endógena da Ásia Tropical, trazida ao Brasil pela colonialidade e que rapidamente tornou-se “espontânea” neste bioma por sua semelhança climática. Trata-se de uma planta cujas propriedades são utilizadas há séculos no preparo de medicinas, alimentos e fabricação de papel, embora no Brasil ela seja reconhecida por sua característica ornamental, uma vez que suas flores são lindas, muito perfumadas e podem florescer o ano todo.
Em confluência com o lírio-do-brejo, a artista apresenta algumas das relações que se pode obter com a planta: do caule se extraí a fibra, da raiz se faz uma conserva, um suco, um doce e uma farinha torrada. E por mais que se trate de um trabalho de artes visuais, há uma interação que não se limita a retina, pelo contrário, como se pelo contato manual e degustativo com a planta, a artista nos convidasse a tornarmo-nos um pouco ela; acreditando que ao nos tornarmos lírio-do-brejo, possivelmente o reconhecemos, cuidamos e respeitamos mais.
Como se Mônica Ventura estivesse ouvindo a avó de Negro Bispo dizer que “a gente planta o que a gente quer, o que a gente precisa e o que a gente gosta, e a terra dá o que ela pode e o que a gente merece” e trouxesse este conceito para sua produção artística. É com este pensamento que a terra dá o que ela pode e o que a arte merece, que a artista segue colaborando na elaboração deste importante antidoto que vem sendo preparado por muitas mãos.