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Karlla Girotto
São Paulo, SP
Nosso corpo é o nosso chão I, 2024
proposta de instalação
no Museu Estadual da
Cultura Nordestina

Descendente de familiares do Rio Grande do Norte, a artista Karlla Girotto aproximou-se de Francis Bezerra, moradora do bairro Taquacetuba e fundadora do Museu Nordestino na Água Limpa. Com uma história marcada por trajetórias de deslocamento e resistência, Francis criou uma instituição museológica dedicada a preservar, divulgar e celebrar a cultura nordestina na região do Pós-balsa. Dessa conexão surgiu o trabalho Corpo-território - Nosso corpo é o nosso chão,
proposta na qual Karlla incorpora ao acervo do museu totens com torrões de terra dos estados da Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí e Maranhão. Ao trazer fragmentos de solos nordestinos para a
instituição, a artista ressalta as dimensões físicas e simbólicas da terra, destacando seu papel na construção de identidades e na organização da memória afetiva individual e coletiva.

Karlla Girotto

Texto de Bruna Fernanda

Pesquisadora, historiadora e curadora e educadora.

Mestra em Culturas e Identidades Brasileiras no IEB USP

 

Uma residência artística oferece a possibilidade da presença, experiência cada vez mais rara e dispendiosa no atual regime capitalista de alienação das percepções e da força de trabalho. Assim, o que um artista pode elaborar ao estar e permanecer em um território? A artista Karlla Girotto se fez essa pergunta na busca por aquilo que da região do pós-balsa ressoaria em si e em suas pesquisas. Convidada para integrar o grupo de residentes, Karlla já trabalhava com diferentes processos poéticos e conceituais de produção de subjetividades e levou consigo sua compreensão da arte como um dispositivo que imanta o mundo. 

 

Enquanto se deixava à deriva na experiência de imersão coletiva, ela foi atraída por uma moradora do bairro Taquacetuba: Francis Bezerra, fundadora do Museu Nordestino. Com uma história pessoal de deslocamento e resistência às intempéries que a sociedade costuma impor às mulheres, Francis criou uma instituição museológica que preserva, divulga e celebra a cultura nordestina no estado de São Paulo. Karlla passou alguns dias com Francis em seu museu e a escutou atentamente. Ambas partilham das raízes familiares no Nordeste e de memórias na região. A artista encontrou nesse cruzamento um campo de pesquisa sobre as relações humano-terra que se desdobram no território e nos corpos. Assim nasceu o trabalho Corpo-território - Nosso corpo é o nosso chão.

 

Karlla, que tem no texto um processo basal para suas pesquisas, escreveu que a proposta evidencia uma das maneiras pelas quais o capitalismo (como sistema dominante e que coreografa as percepções, sequestrando o desejo) desapropria as pessoas da terra, tornando os lugares entidades abstratas, impedindo a relação de parentesco com esse chão. 

 

A terra, o nosso chão, é toda a superfície do planeta. Repito: toda a superfície do

planeta é chão e terra, mesmo a profundeza dos mares, terra-areia. Uma miríade infinita de combinações minerais. Um punhado de terra na mão, o cheiro, a sensação. Fértil, e que se atualiza constantemente em forças que ainda serão exercidas, porque a fertilidade de uma terra é a gravidez de muitos futuros. - Karlla Girotto

 

Ao nos lembrar de que todo o planeta é terra, Karlla desafia essa lógica de desapropriação, ressaltando que a terra não é apenas uma abstração geográfica, mas uma experiência sensorial. Por isso, ela propôs dois desdobramentos para a pesquisa: uma instalação para o Museu Nordestino e uma palestra-performance. 

 

A primeira proposta consiste na colocação de totens contendo torrões de terra de todos os estados do Nordeste: Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí e Maranhão. Remetendo à ideia de escultura ou de objeto tradicional dos museus ocidentais, a transposição de um simples pedaço de chão não escavado para o espaço expositivo questiona o valor das manufaturas humanas. O procedimento de produção da obra, que prevê que pessoas além da artista possam trazer esses pedaços de chão para o Sudeste, propõe uma criação compartilhada e uma reflexão coletiva sobre as dimensões físicas e afetivas da ideia de localidade, as quais também orientam a palestra-performance.

 

O Museu Nordestino e seu acervo, que agora contará com essa obra-proposição de Karlla Girotto, figuram como uma possibilidade contracolonial - um pós-museu, tomando emprestada a categoria empregada por Françoise Vergès para falar dos espaços que resistem ao universalismo abstrato ao situar objetos, sons, imagens e memórias em ambientes vivos. A presença da artista naquele território se desdobra no tempo e no envolvimento de mais pessoas em um projeto que não se encerra com a conclusão da residência.

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